KARAOKÊ

Na vida real os karaokês, videokês e sei-lá-okês só têm música brega. Mas, isso é uma crônica, e crônicas não necessariamente devem reproduzir a vida literalmente. No meu mundo ideal, os karaokês, videokês e sei-lá-okês têm músicas novas, que quase ninguém conhece, uma lista quase infinita de músicas e atualizações praticamente diárias. Sim, eu viajei.

Mas a história é sobre dois amigos. Amigos de berço, tão unidos que há quem pense que são irmãos e outros, bom, outros dizem que não passam dum casal mal-avisado que não enxerga a vida real e não vêem que são mais que amigos. Cresceram juntos, estudaram juntos, viajavam juntos. E, um dia, sabe-se lá porque cargas d'água resolveram cantar jutos.

Não que eles nunca tivessem cantado juntos, faziam isso sempre. Mas, geralmete, era quando estavam sonolentos na praia, com aquela brisa fresca que faz com que relaxemos até a alma, sozinhos e na frente de casa, esperando alguém chegar com a chave (os dois avoados sempre esqueciam a chave). Mas dessa vez, cantaram juntos no karaokê, na frente de desconhecidos.

Enfim, cantaram. Afinados, um dueto lindo. Não perguntem a música, faz muito tempo, nem me lembro. Mas cantaram belamente, ela com sua voz aguda - meu Deus, chega a incomodar - e ele, com a voz doce, mas grave. Cantaram como se não tivesse ninguém no recinto, dançando da maneira que lhes vinha em mente. Estavam felizes, dois tímidos que agora podiam cantar no karaokê.

Daí então resolveram fazer isso mais vezes. Perderam por todo a timidez, começaram a sair com outras pessoas, começaram a formar grupos distintos: ela andava com patricinhas em geral e ele com os metaleiros - tão colegial isso, meu Deus, mas eles não enxergaram. Seis meses depois do episódio do karaokê mal se viam e se falavam. Nem se conheciam mais.

E passou-se um ano. Um ano inteiro nessa situação, mas sempre se citavam em conversas, sentiam falta um do outro, mas não conseguiam se reaproximar. Mania do ser humano de criar barreiras para não se aproximar do que sente falta, por puro medo. Enfim, um ano. Mas, num belo domingo à noite, se encontraram. Num bar-karaokê (porque domingo é noite de 'programa-família'). E tocou a dita música, a que fez com que mudassem. Aí, vocês vão advinhar o final: cantaram juntos, voltaram com a amizade, casaram-se e viveram felizes para sempre! - acertamos?

Hmm, não. Erraram: não cantaram, apenas cantarolaram em seus lugares enquanto ouviam um casal desafinado assassinar a pobre música. Trocaram meia dúzia de olhares, um ou dois sorrisos, e assim ficou.

Mas aí... bom, aí que eles tinham amigos em comum que juntaram as mesas e os dois começaram a conversar. E colocaram assuntos em dia, lembraram-se dos bons tempos e esqueceram porque não eram mais companhia um pro outro. Agiam novamente como melhores amigos. Incrivelmente, daquela noite em diante, voltaram a andar juntos, como irmãos novamente. 

Pra resumir a história, algum tempo depois ela casou aos 24 com um amigo dele e ele aos 25, com uma moça que conhecera numa de suas viagens à praia. Ela tem uma menina e ele, um menino. São vizinhos, cantam em duetos ainda e toda sexta-feira se juntam pra comer pizza. Diz a lenda que nunca mais cantaram a infeliz música que os separou, mas o karaokê continua sendo o lugar preferido dos dois, seja pra cantar, seja pra assistir. Porque aquela noite mudou suas vidas e seus futuros, mas ainda assim, eles se agradavam de lembrar e imaginar o que teria acontecido se não tivessem perdido a timidez.

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